Turismo de pesca é incentivado, com o objetivo de proporcionar emprego e renda para comunidades indígenas. Foto: Michel Machado (Divulgação/Ibama) |
Uma
iniciativa inédita no Brasil promete trazer emprego e renda para comunidades
indígenas por meio da exploração do turismo de pesca esportiva sustentável. A
Associação das Comunidades Indígenas do Baixo Rio Negro (ACIBRN) e a Federação
das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) divulgaram, na semana passada,
o termo de referência para firmar uma parceria com empresa especializada que se
disponha a explorar a atividade no Rio Marié, afluente do Rio Negro, ao longo
da TI Médio Rio Negro I, no noroeste do Amazonas.
A expectativa é que sejam gerados pelo menos 22
empregos diretos e em torno de R$ 170 mil anuais apenas em salários. Os números
são significativos considerando as pouco mais de 1,2 mil pessoas que devem ser
beneficiadas. Outra parte dos recursos oriundos dos pacotes turísticos será
investida diretamente nas comunidades em melhorias de infraestrutura, por
exemplo, em radiofonia, transporte e na construção de um laboratório de
informática, além da manutenção de um sistema de monitoramento, fiscalização e
gestão territorial com envolvimento de todas as comunidades, fortalecendo a
ACIBRN e coibindo invasões e atividades ilegais. A iniciativa prevê também a
organização de uma rede de produtores das comunidades para abastecimento da
atividade com frutos da floresta e das roças.
“Essa
iniciativa foi construída com base nos anseios e propostas das comunidades e
nas normas legais de modo que ela não venha a inviabilizar as atividades do dia
a dia dos indígenas, nem prejudicar sua cultura”, conta Marivelton Rodrigues
Barroso, um dos diretores da FOIRN. “Nós, os povos indígenas, temos o usufruto
das TIs garantido pelo processo de demarcação. A partir daí, temos de fazer a
gestão territorial e ambiental para que possamos desenvolver atividades que
garantam também a autonomia econômica das comunidades”, finaliza.
“O caráter inédito dessa iniciativa se deve, antes
de mais nada, à forma participativa com que foi construída. A partir do
interesse das comunidades, foram envolvidos parceiros e os órgãos oficiais na
elaboração de um modelo de turismo de pesca esportiva sustentável e de base
comunitária", analisa Camila Barra, antropóloga do Programa Rio Negro do
ISA. "Quem for pescar no rio Marié estará contribuindo diretamente para a
sustentabilidade das terras indígenas e qualidade de vida dessas comunidades,
compreendendo que os povos indígenas do rio Negro são os responsáveis pela
preservação e riqueza do importantíssimo patrimônio socioambiental, que é a
Bacia do Rio Negro”, diz Barra.
Iniciativa é construída de forma participativa, a partir do interesse das comunidades. Fotos: Camila Barra (Divulgação/ISA) |
O turismo de pesca esportiva no médio Rio Negro
ocorre hoje de forma desordenada, sem estudos de capacidade de pesca,
monitoramento ou fiscalização. A maior parte da região, que inclui os
municípios de Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos, 400 quilômetros a noroeste
de Manaus, é território indígena ainda sem reconhecimento formal. Apesar de
injetar recursos e gerar empregos, ninguém assume as responsabilidades e custos
socioambientais da atividade. Não há treinamento de guias, manejo de áreas de
pesca ou tratamento de esgoto nas embarcações das mais de 30 empresas que
operam na região. As comunidades indígenas e ribeirinhas recebem apenas o
impacto em suas áreas de pesca de subsistência.
Projeto
O projeto da ACIBRN tem como principal objetivo
criar condições para a sustentabilidade do território indígena, com
protagonismo e autonomia das comunidades. Longe de representar a solução de
todos os problemas, o turismo de pesca viabilizará a manutenção de um plano de
manejo e formação de uma equipe de agentes indígenas que fará o monitoramento e
adequação continuada da atividade.
A iniciativa será desenvolvida com a modalidade do
“pesque e solte”. Cada peixe pescado será pesado, medido e solto pelos guias
indígenas. Realizada com o devido treinamento, essa técnica acarreta baixa
mortalidade e não impactará os estoques pesqueiros. A proposta de exploração de
cerca de 500 quilômetros do Rio Marié possibilitará o zoneamento e manejo das
áreas de pesca.
"A análise dos dados coletados apontam uma
situação inexplorada dos estoques de tucunaré no Rio Marié, semelhante a
estoques virgens. O rio encontra-se em condição de excelência para a prática da
pesca amadora, desde que obedecidas normas de manejo e uso sustentável,
recomendadas pelo estudo e em consonância com as dinâmicas de pesca das
comunidades", disse Daniel Crepaldi, analista do Ibama que coordenou os
estudos ambientais para a iniciativa.
As pesquisas foram realizadas também pelos
analistas ambientais James Bessa e Michel Machado. Os resultados sugeriram que
a atividade se inicie de forma moderada, com oito pescadores por semana,
estando previsto um rodízio de lagos e áreas de pesca a ser discutido pelos
parceiros.
O termo de referência determina que a empresa
parceira deve apresentar uma proposta de trabalho, com o valor pretendido do
pacote turístico, a natureza dos gastos esperados, incluída a contratação de
mão de obra, impostos e outros custos, a manutenção do sistema de monitoramento
e fiscalização, além da sua previsão de lucro. O contrato deverá ter entre
cinco e dez anos e estabelecer compromissos e responsabilidades socioambientais
para o desenvolvimento da região.
A ACIBRN e a empresa parceira definirão um
calendário de reuniões e atividades preparatórias, agenda de treinamento,
capacitações e expedições de monitoramento, que terão acompanhamento da
Fundação Nacional do Índio (Funai) e Instituto Brasileiro de Meio Ambiente
(Ibama) para avaliação continuada do projeto.
"O importante é a gente poder ir a hora que dá
vontade, passear, pescar. O turismo não pode mudar a nossa vida e tem de
beneficiar as 14 comunidades da região e não só uma, como estava acontecendo”,
disse Alberto Clemente, da comunidade São Pedro, durante as reuniões de
levantamento realizado para a iniciativa.
Luta
O termo de referência é a etapa mais recente de uma
luta de seis anos das populações indígenas para retirar os pescadores
irregulares da área e regulamentar a atividade. Desde 2008, empresas de turismo
vinham fazendo contratos informais com alguns indígenas, sem nenhuma
fiscalização, documentação válida ou garantia para eles. A disputa entre firmas
rivais levou lideranças locais a serem pressionadas e até ameaçadas.
Depois de uma série de denúncias da ACIBRN e da
FOIRN, a Funai e o Exército fizeram, em 2012, uma operação para retirada de
todos os pescadores ilegais da região. Em abril do ano passado, o Ministério
Público Federal (MPF) recomendou a suspensão do turismo de pesca no Rio Marié e
a realização de estudos de impactos socioambientais para aferir a viabilidade
de regularizar a atividade.
A partir daí, iniciou-se uma parceria entre várias
instituições para atender a recomendação, estabelecendo um processo de diálogo
e esclarecimento das comunidades afetadas. O coordenador da Coordenação
Regional do Rio Negro da Funai (CRRN-Funai), Domingos Barreto, assumiu a ação
como prioritária e estratégica. Segundo a Funai, foram investidos cerca de R$
150 mil para realização das oficinas e expedições que compuseram os estudos,
além do combustível para as ações do Exército, que fez a segurança dos
trabalhos e a fiscalização na foz do rio para coibir a entrada ilegal de
empresas de pesca.
A realização dos estudos só foi possível devido às
cooperações estabelecidas e da parceria e trabalho conjunto da Funai com as
organizações indígenas. A Funai estabeleceu colaboração com o ISA para
realização do levantamento sociocultural com base em entrevistas e oficinas nas
14 comunidades que fazem parte da ACIBRN.
Em cooperação com o Ibama, a Funai executou os
estudos ambientais para avaliação dos estoques pesqueiros, o potencial do rio
para a pesca esportiva e os possíveis impactos ambientais. A primeira etapa dos
estudos contou também com o apoio da Prefeitura Municipal de São Gabriel da
Cachoeira e da Secretaria de Estado para
os Povos Indígenas do Amazonas (SEIND).
Fonte: ISA
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