Presidente interina da Funai, Maria Augusta Assirati. Foto: Sérgio Lima (Divulgação/Folhapress, em 31 de janeiro de 2014) |
Por: Patrícia Britto
Da: Folha de São Paulo
No comando de uma área recheada de conflitos em
diferentes cantos do país, a presidente interina da Funai (Fundação Nacional do
Índio), Maria Augusta Assirati, 36, afirma que a violência contra os indígenas
está "banalizada".
Em entrevista à Folha, ela admite que, sozinho, o
órgão não consegue lidar com o barril de pólvora das disputas por terra entre
índios e produtores rurais. Há sete meses no cargo e com apenas uma
"pequena reunião" com a presidente Dilma no período, Assirati afirma
que tem sido instada a dar respostas rápidas sobre obras do PAC (Programa de
Aceleração do Crescimento).
Na semana passada, após a realização da entrevista,
cinco índios foram presos no Amazonas sob suspeita de matar três homens. A
Polícia Federal informou, na última sexta-feira (31), que eles ainda esconderam
os corpos das vítimas.
Em nota, a Funai disse desconhecer os motivos das
prisões por não ter tido acesso ao inquérito, e que monitora a situação.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Folha - Os conflitos indígenas se agravaram nos
últimos meses, virando um assunto sensível para o governo. Por que se chegou a
esse ponto?
Maria Augusta Assirati - De uns anos para cá, as
demarcações de terras indígenas estão mais concentradas na porção sul e
centro-sul do país. São regiões mais difíceis de se trabalhar, porque são mais
antropizadas, têm um processo de colonização mais antigo, onde um grande
conjunto de agricultores tem títulos das terras. Isso gera maior complexidade.
O governo Dilma foi o que menos homologou terras
indígenas desde FHC, e as demarcações estão paralisadas. Por quê?
Sobretudo por essa intensificação dos conflitos.
Isso gerou no governo a necessidade de uma discussão para evitar que esses
conflitos tivessem desfechos negativos. O governo optou por estabelecer mesas
de diálogo.
Há na Funai sete estudos prontos sobre terras
indígenas que esperam a sua assinatura para ter continuidade na demarcação. Por
que não assina?
Um pouco em função dessa nova orientação, de que
todas as áreas onde o governo compreendeu que pudesse gerar um conflito e que
esse conflito pudesse trazer resultados negativos, se pensou em fazer um
diálogo prévio.
A Funai concorda? A paralisação não agrava os
conflitos?
O governo federal é composto por diversos órgãos e
cada um tem sua missão. A nossa posição nesses diálogos de governo é no sentido
da defesa desses direitos dos povos indígenas. Porém o governo federal é mais
amplo e tem uma avaliação de que deve equilibrar o conjunto de direitos
estabelecidos e que ultrapassam o conjunto de direitos dos povos indígenas.
Segundo o Cimi [Conselho Indigenista Missionário],
a média anual de índios assassinados passou de 20,9 nos mandatos de FHC para 56
nas gestões Lula e Dilma. Muitos desses casos estão relacionados a conflitos
com policiais federais, mas raramente alguém é responsabilizado. Há descaso do
governo?
Não temos dados ainda oficiais sobre casos de
violência. O papel da Funai é justamente buscar superar essa dificuldade.
Achamos, de fato, que esses casos têm que ser apurados.
Os indígenas ainda estão no centro de ação de
grande preconceito, de racismo, e são vítimas, ainda, de uma violência grande
no país. Trabalhamos para consolidar esses dados para que isso possa subsidiar
e orientar uma política de enfrentamento à violência aos indígenas.
Mas tem surtido efeito? A sensação hoje é de
impunidade, inclusive nos casos envolvendo agentes do Estado.
Precisamos fortalecer as ações, não só da Funai,
mas em cooperação com outros órgãos, para avançar nessa política de
enfrentamento à violência contra os indígenas, protegê-los mais, fazer com que
a gente reverta esses números e garanta efetivamente a vida dos indígenas.
De quem é essa responsabilidade?
É uma responsabilidade compartilhada, que deve ser
o tempo inteiro estimulada pela Funai. Mas a Funai sozinha não tem capacidade
de fazer esse trabalho.
O que o governo tem feito para resolver esses
conflitos?
Essa iniciativa da mesa [de negociação] foi
interessante porque é justamente voltada para a redução dos conflitos, mas é um
caminho longo.
Acredito que se chegou a um ponto, ou não sei se se
chegou a um ponto, mas se tem, de certa maneira, uma banalização desse tipo de
violência. É para isso que nós todos, representantes do governo, temos que
estar atentos, chamar atenção e estar o tempo inteiro vigilantes para que isso
deixe de ser uma realidade, para que essa violência deixe de ser banalizada.
A estrutura da Funai é insuficiente?
A Funai tem atuação capilarizada em todo o Brasil e
atende segmentos da população brasileira que estão em lugares remotos, com uma
logística difícil para se chegar.
Se pudesse optar por um eixo de fortalecimento,
seria de pessoal. Uma das coisas que precisamos melhorar é ter presença mais
frequente nas terras indígenas do ponto de vista da proteção territorial, ou
seja, garantir que as áreas já regularizadas não sejam ocupadas, não sofram
invasões para exploração ilícita de recursos naturais.
O que acha da proposta do Congresso de levar para o
Legislativo a atribuição de demarcar as terras indígenas?
Na perspectiva da Funai, é bastante negativa,
porque atrasaria em muito os processos de demarcação e traria uma série de
componentes políticos, de disputas entre diversos segmentos que integram o
Congresso Nacional, que seriam prejudiciais para a conclusão das demarcações
das terras indígenas.
E da proposta do Ministério da Justiça de incluir
outros órgãos nas demarcações?
Hoje o decreto que rege a forma de regularização
fundiária das terras indígenas já tem um dispositivo que prevê a possibilidade
de consulta a outros órgãos. A portaria propõe a regulamentação da forma de
participação desses órgãos. Se esses órgãos tiverem efetivamente a capacidade
de contribuir para o processo de demarcação, a ação é extremamente bem-vinda.
O setor agropecuário acusa a Funai de fazer
demarcações com base em estudos subjetivos. Eles têm razão?
Absolutamente não. Todas as etapas dos processos de
demarcação são estabelecidas por decretos, portarias. Os processos são feitos a
partir de critérios técnicos e jamais baseados em quaisquer elementos
subjetivos.
Os conflitos na construção de Belo Monte vão se
repetir na região do rio Tapajós (PA), onde o governo quer licitar novas
hidrelétricas?
Esperamos que não. Todas as partes estão tentando
cumprir suas atribuições para que isso não ocorra. Por termos apreendido
bastante com a experiência de Belo Monte, esperamos fazer melhor das próximas
vezes.
Existe pressão do Planalto para ser permissiva nas
áreas onde há interesse em realizar essas obras de infraestrutura?
O que existe é uma, que palavra eu vou usar para
expressar isso? É uma relevância, digamos, bastante expressiva em relação ao
avanço dessas obras de infraestrutura pelo governo federal. Isso é explícito
pela própria existência do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento].
É evidente que existe uma necessidade de se
priorizar essas ações. Então todos os órgãos intervenientes, o próprio Ibama,
são sempre instados a ter manifestações rápidas, céleres, priorizando essas
ações, que são prioritárias para o governo federal.
Quantas vezes a senhora já despachou com a
presidente?
Somente uma vez. Eu tive uma reunião com ela que
precedeu um encontro que ela teve com os indígenas. Foi em junho de 2013, eu
tinha recém-assumido a presidência [da Funai]. Ela concordou em receber um
grupo de lideranças indígenas e houve uma pequena reunião prévia.
A senhora é interina há sete meses. A demora para
ser efetivada reflete falta de prioridade do governo para a área?
Eu tenho bastante dificuldade de te responder essa
questão, porque eu desconheço os motivos pelos quais não fui efetivada ainda.
*RAIO-X:
MARIA AUGUSTA ASSIRATI, 36
CARGO: Presidente interina da Funai (desde junho de
2013)
FORMAÇÃO: Bacharel em direito (Unip) e mestre em
desenvolvimento e políticas públicas (Ipea e Fiocruz).
ATUAÇÃO: Foi diretora de Promoção ao Desenvolvimento
Sustentável da Funai (junho de 2012 a junho de 2013) e diretora do Departamento
de Diálogos Sociais da Secretaria-Geral da Presidência (março a junho de 2012),
entre outros, com atuação nas áreas de direito público e gestão pública.
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