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quarta-feira, 1 de junho de 2011

Carta dos povos Yanomami e Ye'kuana

Prezados companheiros de luta:
Nós, povos Yanomami e Ye’kuana, estamos escrevendo esta carta para enviar diretamente para a Secretaria Especial Saúde Indígena - SESAI de Brasília, para o Ministro da Saúde, para o Presidente da Funai e demais autoridades do governo da presidenta Dilma.

Os povos Yanomami e Ye’kuana são contra a indicação de  Andréia Maia Oliveira, feita pelo senador Romero Jucá para a chefia da coordenação Distrito Sanitário Especial de Saúde indígena Yanomami e Ye’kuana. Estamos revoltados por isso; os políticos não consultaram as lideranças tradicionais e os conselheiros que moram na sua Terra Indígena Yanomami. Nós não sabemos o que as autoridades estão fazendo escondido na questão de Saúde.

Nós ajudamos a criar Sesai, apoiamos o secretário especial Antônio Alves que lutou conosco para criar a Sesai e queremos também fortalecer a política dos Povos Indígena na relação com a política de atendimento de saúde, pois as decisões sobre as formas de atendimento têm que passar pelo respaldo dos Povos Yanomami e Ye’kuana. Desta forma, atendendo as especificidades culturais à que temos direito pela Constituição Federal de 1988.

Nós Yanomami e Ye’kuana temos como grande aliada no atendimento na TIY à pessoa de Joana Claudete das Mercês Schuertz, pois diante da desestruturação  que a Funasa deixou, tememos que o atendimento será muito prejudicado, piorando a situação da saúde na TIY, se não for mantida a figura de Joana Claudete na Coordenação da Saúde Yanomami e Ye’kuana. Uma vez que ela já tem uma relação de anos com saúde indígena, além da qualificação como Antropóloga, Técnica em enfermagem e Técnica em Laboratório.

Os Yanomami estão se manifestando nos estados de Roraima e Amazonas onde está localizada a população Yanomami de aproximadamente 19.000 pessoas que dependem da política de atendimento de saúde nas áreas de atribuição do atendimento.
Nós Yanomami e Ye’kuana não aceitamos a indicação de uma pessoa que não tem a menor relação com as condições de atendimento a que a Secretaria deve estar condicionada, uma vez que se trata do atendimento a uma população com inúmeras complicações relacionadas com o contato recente com a sociedade envolvente, já reconhecido pelo Estado Brasileiro anteriormente.

A Sesai foi criada em 2010 para atender as reivindicações das organizações indígenas por um atendimento de saúde de qualidade e para por fim à corrupção na Fundação Nacional de Saúde (Funasa) que desviou milhões de reais, desestruturando o serviço de saúde e levando à morte dezenas de índios, como ainda hoje ocorre com a TI Vale do Javari. A piora no atendimento médico e sanitário nas aldeias estava diretamente relacionada ao loteamento político da Funasa e à corrupção no órgão.

Dada a importância que a saúde tem para o povo Yanomami, Davi Kopenawa recentemente em março deste ano, se reuniu com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha e com o Secretário Especial de Saúde Indígena, Antônio Alves, para ressaltar a importância de o responsável pelo DSEI Yanomami ser tecnicamente qualificado, conhecer bem a cultura e a situação da saúde indígena e ser da confiança de seu povo. Seu recado foi claro: é preciso colocar fim às indicações políticas que deixaram um rombo financeiro provocado por graves casos de corrupção na saúde indígena em Roraima, a partir de 2004.

Os Sangue-sugas dos Yanomami. Os Yanomami  não aceitam que o Senador Romero Jucá, que indicou Marcelo Lopes,  ex-coordenador da Funasa e preso na Operação Anopheles em 2008 e Ramiro Teixeira, ex-coordenador da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) em Roraima, preso em 2007, na Operação Mestástase, continue indicando pessoas da sua confiança para assumir cargos na Sesai.

A Polícia Federal em Roraima e o Ministério Público Estadual, em parceria, deflagraram em 2008, a "Operação Anopheles" para desbaratar um esquema de fraudes em licitações nas obras de drenagem do Igarapé Samaúma no município de Mucajaí/RR.

De acordo com a Policia Federal, na investigação decorrente ficou claro o envolvimento do então coordenador da Funasa, Marcelo de Lima Lopes, do secretário de Obras, do secretário de Finanças, do presidente e de membros da Comissão Permanente de Licitação do Município de Mucajaí, bem como, da esposa do coordenador que presta serviços contábeis para várias prefeituras do interior do estado de Roraima e também, para empreiteiros.

Em outubro de 2007, a Operação Metástase, da Polícia Federal prendeu  35 pessoas, entre elas funcionários do alto escalão da Funasa de Roraima como Ramiro Teixeira, apontado como o chefe da quadrilha. O médico Ramiro Teixeira, candidato derrotado a deputado estadual nas eleições de 2002, fora conduzido ao cargo por indicação do senador Romero Jucá (PMDB-RR), atual líder do governo no Senado, ex-governador de Roraima e ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), durante o Governo Sarney, quando houve a grande invasão de garimpeiros na TI Yanomami que resultou num alto número de mortes e consequências nefastas no povo e no meio ambiente. Na época de sua indicação (2003-2004), Ramiro Teixeira já estava sob investigação do Ministério Público e do Tribunal Regional Eleitoral por abuso de poder econômico, político e de comunicação, ao lado do senador Romero Jucá e outros políticos de Roraima.

A ação da PF em 2007 visou apreender computadores, documentos e notas fiscais que possam comprovar o desvio de recursos públicos destinados ao atendimento sanitário das comunidades indígenas por meio da utilização de notas frias e licitações fraudulentas. Os principais alvos de desvio são os serviços de transporte aéreo, a compra de medicamentos e as obras de engenharia. Estima-se que o esquema de corrupção e irregularidades com a gestão da verba da saúde indígena em Roraima tenha desviado um total de 34 milhões de reais. No primeiro dia da operação, a PF havia apreendido 1,35 milhões de reais em espécie (500 mil na casa de Ramiro Teixeira), além de dezenas de veículos supostamente comprados com dinheiro desviado.
De acordo com as investigações da Polícia Federal, que foi publicada amplamente na imprensa, a maior parte do dinheiro desviado tinha origem em emendas coletivas da bancada de Roraima no Congresso Federal ao orçamento da União, na legislatura passada.

Uma parte destas irregularidades repousa, de acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), no convênio firmado em 2004 entre a Funasa e a Fundação Universidade de Brasília (FUB) para a assistência aos Yanomami.

As irregularidades nos convênios da Funasa vinham sendo denunciadas pelos Yanomami e organizações de apoio desde pelo menos 2004, quando os indicadores de saúde desta população indígena começaram a piorar. Segundo um boletim divulgado pela ONG Urihi-Saúde Yanomami (conveniada da Funasa para o atendimento dos Yanomami de 2000 a 2003), a incidência da malária na TI Yanomami desde 2006 retornou aos níveis epidêmicos da década de 1990 e a doença voltou a ser causa de morte. Elevou-se a mortalidade infantil e a cobertura vacinal em crianças menores de 1 ano - em torno de 20 % - é uma das mais baixas do Brasil e do mundo.
Até mesmo a cobertura do tratamento em massa da oncocercose, doença que pode causar cegueira e envelhecimento precoce da pele e, no Brasil, é restrita à área Yanomami, apresentava índices preocupantes. Além disso, a falta de remédios e insumos, o atraso constante no pagamento de salários dos servidores e o aumento injustificado no preço das horas de vôo denunciavam a má gestão dos recursos públicos.

Mesmo com a condenação do TCU, as reclamações dos Yanomami e diante de resultados insatisfatórios, o convênio com a FUB foi renovado duas vezes sob o argumento de não haver alternativas para a manutenção do atendimento ao DSEI Y.
A Operação Metástase teve início na mesma semana em que Davi Kopenawa e seu filho Dario Vitório estavam em campanha pela Europa, com o apoio da ONG Survival International, para denunciar às autoridades inglesas e alemãs a situação caótica que seu povo enfrenta na saúde, agravada por nova invasão de suas terras por garimpeiros.

Na Alemanha, Davi declarou: “Eles tem que pegar os peixes grandes em Brasília. Em Roraima eles são apenas peixes pequenos mas ajudam a roubar. Eles tem que prender os presidentes da Funasa e da Fundação Universidade de Brasília. Essas pessoas têm olho grande, barriga cheia e estão roubando o dinheiro dos povos indígenas do Brasil”.
As licitações fraudulentas que ocorriam na Funasa são apontadas como uma das possíveis causas do homicídio na semana passada de Francisco Mesquita, dono da Meta Taxi Aéreo (preso na operação Metástese). O principal suspeito é dono de outra companhia de taxi aéreo de Roraima.


Na reunião que teve em março com Davi Kopenawa, o secretário Antônio Alves comunicou que o DSEI Yanomami logo estará em funcionamento com autonomia administrativa e financeira. Para isso, estariam sendo qualificados funcionários e a Sesai deve firmar convênio para a contratação de pessoal, enquanto o Ministério do Planejamento não autoriza a contratação definitiva de novos funcionários, o que é imprescindível para uma boa gestão do atendimento. Alves garantiu que o processo de fortalecimento do controle social do DSEI vai continuar.

Os Yanomami tiveram o primeiro distrito de saúde indígena, criado na década de 1990, cujo modelo deu origem a criação dos 34 distritos hoje existentes. Protagonistas na luta por um sistema de assistência de saúde adequado às especificidades dos povos indígenas, os Yanomami tiveram papel fundamental para que esse serviço deixasse de ser prestado pela Funasa e fosse criada a Sesai e não vão aceitar a corrupção devorar a Sesai como devorou a Funasa, prejudicando a saúde e a vida de milhares de índios. E esperam que as autoridades do governo da presidenta Dilma também não deixem isto acontecer.

Atenciosamente,
 
Dário Vitório Kopenawa Yanomami
Coordenador de Saúde da HAY
Mauricio Tome Rocha
Vice-Presidente da HAY
Enio Mayanawa Yanomami
Coordenador de Educação da HAY


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