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segunda-feira, 29 de abril de 2013

Educação superior ajuda indígenas do povo Mura a preservar o meio ambiente



Turma de indígenas recém-formados em Autazes. Fotos: Divulgação/Diário do Amazonas

Manaus - O município de Autazes (a 118 quilômetros de Manaus) acaba de ganhar a primeira turma indígena formada em nível Superior. Os 52 professores da etnia Mura, oriundos de diversas aldeias do município, se graduaram em licenciaturas para Letras e Artes, Ciências Humanas e Sociais e Ciências Exatas e Biológicas em um curso que uniu a sabedoria milenar dos indígenas e o conhecimento científico do homem branco.

A iniciativa partiu do próprio povo Mura que, após concluir o curso de Magistério Indígena da Secretaria de Estado de Educação do Amazonas (Seduc), fez a proposta de obter o nível Superior para a Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

“O magistério só dava condições para trabalhar até a 4ª série do (ensino) Fundamental e estávamos preocupados com a formação de nossos professores e crianças. Quando fizemos a proposta para a Ufam não havia nenhum curso voltado para os indígenas. Fomos o primeiros a demandar este curso específico”, disse Mariomar Moreira de Souza, 43 anos, professor da aldeia Trincheira.

O curso, criado em 2007 e implementado em 2008, é realizado pela Faculdade de Educação (Faced) e foi denominado Licenciatura Específica para a Formação de Professores Indígenas Mura. Desde o início, a formação propôs uma educação diferenciada, com uma metodologia que respeitasse e abordasse a cultura dos Mura, fazendo do índio o próprio pesquisador de seu ambiente.

Após cinco anos de formação, Mariomar e os 51 indígenas concluíram seus cursos neste mês e voltarão para as escolas de suas aldeias levando o conhecimento adquirido por meio da universidade. No total, serão beneficiadas dez aldeias com mais de 2.700 habitantes ao redor do município de Autazes.

Ao todo, foram 23 trabalhos de conclusão apresentados em uma fazenda no Ramal dos Padres, km 22 da BR-174, onde o grupo ficou hospedado para finalizar a última parte do curso no mês de abril.

Na área de Biológicas, o grupo de Mariomar se destacou com uma pesquisa sobre a caça na região da aldeia Trincheira. Devido ao aumento populacional e a perda de práticas para o cultivo da floresta, certas espécies de animais estão desaparecendo na região, o que motivou o grupo a pesquisar sobre o fato.

Orientados pelo professor e mestre em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia pela Ufam, Washington Mendonça, a equipe fez um levantamento de dez meses, no decorrer de 2011, sobre os animais abatidos na região.

“O objetivo era chamar a atenção do nosso povo para o que a caça predatória pode fazer com a fauna e flora de nosso ambiente. Não queremos denunciar a prática da caça, mas, torná-la sustentável”, disse Mariomar.

Durante a pesquisa, alunos do 4º ao 9º ano do Ensino Fundamental das escolas de Trincheira ajudaram na coleta de dados e nas entrevistas com os caçadores. Foi descoberto que animais como a paca, o tatu e a cutia são os mais abatidos e não estão chegando à fase de reprodução. Outro ponto crucial constatado foi o desaparecimento de espécies de grande porte, como a Anta.

“Além de conscientizarem o povo sobre a caça, o grupo ainda fez uma coleção zoológica aproveitando os crânios, penas e bicos dos animais caçados para usar em sala de aula”, explicou o professor Washington.

Em Ciências Exatas, quatro trabalhos foram produzidos com foco no ensino da Matemática. O orientador Gerson Bacury, graduado em Matemática e mestre em Educação pela Ufam, ajudou os professores indígenas a criarem métodos de ensino por meio de jogos e uso de material concreto para crianças do Ensino Fundamental.

“Utilizamos a metodologia do ensino no contexto indígena. Os materiais concretos que eles utilizaram vinham do próprio ambiente da aldeia, como tampinhas de garrafas pet ou sementes de tucumã. Os jogos também foram confeccionados na própria aldeia. Isso é um trabalho único na área”, destacou o professor.

O grupo do indígena Rosemberg Corrêa, 35, verificou que os alunos do Ensino Fundamental da aldeia São Félix tinham dificuldade nas operações de multiplicação. Para facilitar a aprendizagem o grupo criou o jogo de cartas chamado ‘Advinha a multiplicação’.

O jogo consiste em dois jogadores e um mediador. O mediador sabe o resultado da multiplicação das duas cartas. Para ganhar, a criança deve responder qual é o número da carta antes do adversário. “Percebemos que eles ficaram muito satisfeitos e pararam de faltar aula. Agora, pretendemos aplicar os jogos em todas as outras disciplinas”, contou Rosemberg.

As dificuldades no aprendizado dos cálculos também foi tema do projeto de Bernardo de Santos Soares, 40, e Luís de Souza Matos, 32, da aldeia Josefa. Para isso eles utilizaram o material concreto como forma de ensinar matemática efetivamente, “Vimos que muitos sabem matemática porque decoram a tabuada e não porque conhecem os cálculos. Com esse método de usar as sementes de tucumã ou as tampinhas eles aprendem o que são dezenas e centenas. Agora, esperamos mudar o paradigma de aprendizado de nossas crianças indígenas”, declarou Bernardo.

Dicionários documentaram o saber dos povos indígenas
O curso de Licenciatura da etnia Mura se encerra hoje e deixa um legado para os indígenas: o registro de seus conhecimentos milenares.

Na área de Letras foram produzidos nove dicionários que documentam os saberes do povo em diversas áreas, como as variedades de plantas e árvores, espécies de peixes e receitas medicinais.

“Os índios têm uma cultura de passar o conhecimento por meio da oralidade. A partir do momento que se tem escola é possível registrar esse conhecimento”, disse a professora Cristina de Cássia Borella, mestre em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que orientou os alunos na conclusão dos trabalhos.

“A coleta de dados foi feita por meio de entrevistas com os mais idosos da aldeia. Foi observado que muitas das espécies de peixes e árvores da região estavam desaparecendo, e, com os dicionários, podemos agregar valor ao conhecimento que eles já tinham e garantir que seja passado a outras gerações”, explicou a professora Cristina.

Atualmente, o curso de licenciatura, que antes era direcionado aos Mura, agora abrange mais duas etnias e passou a se chamar Licenciatura Específica para Formação de Professores Indígenas. Em 2011, os Munduruku e os Saterê-Mawé iniciaram seus cursos e no final deste mês terão aulas dentro do novo Centro de Formação de Professores Indígenas, na Fazenda Universitária da Ufam, localizada no km 39 da BR 174.

O professor Washington Mendonça afirmou que isso é um marco na história, tanto para os indígenas como para a universidade. “O índio agora faz o trabalho que o pesquisador saía de Manaus para fazer. É algo incrível, pois, ele não só ajuda a sua aldeia com o conhecimento como também o registra em níveis acadêmicos. Isso nunca foi feito antes e vai trazer muitos frutos”, ressaltou o professor.

Fonte: Diário do Amazonas

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